O que está errado com o Work-Life Balance?

Começa logo pela própria expressão: work-life balance. Trabalho de um lado, vida do outro. E depois estratégias, tácticas, truques e dicas para equilibrar os dois.
Mas vamos por partes.
O que é o work-life balance. O work-life balance é uma expressão que pretende traduzir a necessidade de as pessoas encontrarem um equilíbrio entre as suas responsabilidades profissionais e as exigências e necessidades da sua vida pessoal, onde se pode incluir a vida familiar, a vida social e as necessidades do próprio indivíduo.
A atenção dada ao work-life balance começou a surgir como resultado da competitividade, da necessidade de dar tudo, de não falhar, que resultou numa enorme pressão da actividade profissional na vida das pessoas. O número de horas dedicadas ao trabalho tem crescido ao longo dos últimos anos, o que reflecte a importância e o espaço que o trabalho ocupa na vida das pessoas. A relevância é tal que a OCDE considera o work-life balance uma prioridade das sociedades e um indicador do OECD Better Life  Index.
A preocupação com o work-life balance é também crescente no meio empresarial. Programas de wellbeing e wellness são cada vez mais comuns, entre outras medidas que procuram estimular os colaboradores a terem em atenção o equilíbrio entre o trabalho e as outras dimensões da vida.
O Heldergroen Design Studio é uma empresa holandesa que deixa muito claro aos colaboradores quando é hora de terminar o dia de trabalho:
Mas para além desta medida, a empresa promove aulas de yoga, almoços e lanches, e momentos de confraternização entre os colaboradores, no mesmo espaço onde antes estavam as secretárias e computadores.
Todas estas medidas, mais ou menos criativas, partem de um pressuposto comum: a dedicação extrema à vida profissional, descurando outras dimensões da vida pessoal, vai inevitavelmente produzir efeitos negativos na vida dos colaboradores e, consequentemente, afectar a sua produtividade e capacidade de acrescentar valor.
Por tudo isto, o work-life balance parece apresentar uma solução muito atractiva. Contudo, a busca desse equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal é ela própria geradora de tensão. Por isso, em vez de estarmos a eliminar o problema estamos na realidade a acrescentar outro.
O work-life balance parte do princípio que o trabalho é uma coisa e a vida é outra. É por isso uma abordagem que estanca a vida das pessoas em compartimentos diferentes, cada um com o seu respectivo rótulo, “partes” da vida que é só uma. É profundamente discutível que a vida se possa compartimentar desta maneira. Será credível que alguém se consiga abstrair de um problema familiar quando chega ao seu local de trabalho?
O passo seguinte é procurar equilibrar todos os compartimentos, tal como um exercício de equilibrismo circense. O artista circense para fazer o que faz tem de treinar muito e o número de circo tem uma duração muito limitada. Porquê? Porque não se consegue estar sempre em “modo de equilíbrio”, é extremamente desgastante.
O mesmo se passa com o work-life balance. Equilibrar e não deixar cair nenhum dos “compartimentos” é um exercício muito exigente, que consome muita energia. Pelo grau de dificuldade que acarreta e pela energia necessária para o fazer, a margem de erro é bastante elevada. E se não se consegue equilibrar a dita “vida profissional” com a dita “vida pessoal”, a frustração é habitualmente o sentimento que se segue.
Então o que é preciso mudar?
Derrubar a barreira invisível. Para começar, terminar com os rótulos e a separação entre a vida profissional e a vida pessoal. O trabalho faz parte da vida e a vida faz parte do trabalho.
Chega até a ser pernicioso considerar que o trabalho está fora da vida, porque isso pode significar que só na vida (e fora do trabalho) há realização pessoal, porque o trabalho é, na realidade, a parte penosa, a “má notícia”, o lado negro.
Cada vez mais as pessoas procuram significado no trabalho (“meaningful work”), sentir que fazem parte de algo maior que elas próprias, mas para o qual estão a contribuir. Um estudo do Forum Económico Mundial de 2016, mostra que o sentido de propósito (“sense of purpose”) já ultrapassa o work-life balance nos critérios mais importantes aquando da escolha de um emprego.
Se por um lado as pessoas procuram este significado, as empresas devem procurar ir ao encontro desta necessidade, desenvolvendo e estimulando um sentido de missão, que proporcionará o tão almejado “meaningful work”.
A KPMG é uma das “big four” da auditoria mundial, um trabalho assente em competências e conhecimentos técnicos, essencialmente contabilísticos. Não é propriamente o trabalho mais sexy do mundo… Contudo, a empresa lançou um programa que denominou “Inspire Confidence. Empower Change” que consistiu em desafiar os seus colaboradores a responder a uma simples questão: o que é que faz na KPMG? O objectivo era que todos, desde a base ao Chairman, partilhassem histórias de como o seu trabalho faz a diferença. A campanha permitiu enaltecer a missão da organização mas, mais importante, oferecer um propósito maior (“higher purpose”) a cada um dos seus colaboradores.
Sentir que o trabalho é uma parte de nós, um contexto em que podemos exprimir o que somos, ser uma extensão da nossa própria personalidade, sentir que se coloca algo de nós naquilo que fazemos, é um excelente contributo para reduzir a suposta tensão entre as ditas vidas pessoal e profissional. E com isto a noção de equilíbrio perde todo o seu sentido.
Nota: o kick-off deste post partiu de uma frase do Luis Maria Sottomayor,
community manager do Talent Portugal, proferida durante o workshop
Employer Branding: “até parece que o trabalho não é vida”.

2 Comments Add yours

  1. João Silva says:

    A vida é simultaneamente curta e demorada, mas é gasta em cerca de dois terços a dormir e a trabalhar. Não há equilíbrio que altere isto.

    “parte do princípio que o trabalho é uma coisa e a vida é outra. É por isso uma abordagem que estanca a vida das pessoas em compartimentos diferentes, cada um com o seu respectivo rótulo, “partes” da vida que é só uma. É profundamente discutível que a vida se possa compartimentar desta maneira. ”

    Nós temos uma ansiedade pela vida perfeita, e a vida perfeita seria, ao que parece, uma vida sem trabalho. Depois surgem as tendências argumentativas, e então a vida perfeita seria aquela que, pressupondo a separação trabalho-vida pessoal, implicaria ser feliz no que se faz. amar o que se faz.

    Talvez isto seja um off-topic, uma abordagem transviada, mas eu tenho para mim que o balanço se faz pela aceitação do presente ao mesmo tempo que se aceita que podemos (ser forçados a) mudar, hoje ou no futuro, influenciando as nossas circunstâncias ao ponto delas nos tornarem mais “felizes no presente”. Não forçar, não ter que, apenas aceitar.

    Pedro, obrigado pelo post.

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