“Isso é engraçado, mas não é p’ra nós”

Novas ideias sobre a gestão de pessoas vão surgindo quase diariamente e muitas delas são disruptivas o suficiente para gerar espanto, admiração e… resistências.

A resistência a novas ideias tem uma característica interessante que é simultaneamente a sua maior fraqueza, e a sua maior força: as resistências baseiam-se em crenças e não em factos.

É a sua maior fraqueza porque uma boa preparação e argumentação baseada em factos pode ajudar a “desmontar” a resistência.

É também a sua maior força porque uma crença alimenta-se a si própria, na medida em que a realidade é ajustada (ou pior, distorcida) à crença e não o oposto. Deste modo, cria-se uma sensação de reforço e fortalecimento da crença, porque a realidade está a confirmar aquilo que já se tinha (pré-)assumido.

As resistências podem assumir diversas formas. Ao longo dos anos tenho contactado com  pessoas de diferentes contextos profissionais, o que me serviu de base para esta catalogação. Não é científica nem exaustiva, mas é ilustrativa. Acho particularmente interessante as resistências que começam pela expressão “Sim, mas…”

“Sim, mas isso é coisa de empresa grande”

A crença de que as práticas inovadoras de gestão de pessoas são “coisa” de empresa grande, preferencialmente multinacional, é um argumento arrebatador. Mais ainda se se trabalha numa PME. Como convencer as chefias de que se pode ter práticas de gestão de pessoas interessantes, mesmo sendo uma PME? Aparentemente, trata-se de um facto incontornável:  ser pequeno ou ser grande é uma daquelas verdades inabaláveis.

Entre as 100 primeiras empresas do ranking das Melhores Empresas Para Trabalhar de 2016, apenas 18 eram grandes empresas. Ou seja, a esmagadora maioria das empresas auditadas e listadas nesta iniciativa são pequenas ou médias.

“Sim, mas é preciso muito dinheiro”

Mais uma vez, um argumento, aparentemente, incontornável. Recursos financeiros é coisa que raramente abunda e, por isso, ter práticas de gestão de pessoas inovadoras só está ao alcance de empresas com resultados financeiros muito bons. Como têm dinheiro, podem pensar em investir mais (e melhor) na gestão de pessoas. Este argumento coloca as práticas de gestão de pessoas como consequência (efeito) dos resultados financeiros, quando na realidade, é exactamente ao contrário: é o investimento na gestão de pessoas que pode conduzir a melhores resultados.

Ter resultados para investir na gestão de pessoas ou investir nas pessoas para obter resultados? Soa um pouco à história do ovo e da galinha… Por isso, a não ser que possa ter uma discussão mais profunda, não vale a pena argumentar sobre o que é que surgiu primeiro, os resultados ou as práticas inovadoras de gestão de pessoas.

Antes, é mais produtivo seguir um outro caminho: se essas empresas só apostaram em práticas inovadoras porque tinham dinheiro, porque é que continuam, sistematicamente, a apresentar resultados extraordinários? Se essas práticas são assim tão dispendiosas, e sem impacto nos resultados, essas mesmas empresas estariam falidas em poucos anos.

Além disso, não é preciso ter prémios e recompensas chorudas para se implementar boas práticas de gestão de pessoas. Aliás, muitas das iniciativas requerem mais criatividade e imaginação do que propriamente dinheiro. A este tema voltarei num outro post.

“Sim, mas isso só se faz lá fora. A nossa realidade é muito diferente”

Até pode ser. A realidade portuguesa é de facto muito diferente da realidade de outros países. A cultura, a economia, o ambiente social… são factores suficientes para dar suporte (aparente) a este argumento. Contudo, existem inúmeros exemplos de empresas com abordagens inovadoras e com resultados para apresentar.

Conhece a Goucam? Esta empresa têxtil de Viseu, oferece um salário extra a cada colaboradora que esteja grávida. Ou a BC Segurança, com sede em Braga, que paga as férias no estrangeiro a todos os colaboradores? Não é preciso ser grande, reconhecida por todos e estar nos grandes centros para se inovar na gestão de pessoas…

“Sim, mas isso é coisa de empresa tecnológica”

Neste caso, o argumento tem até alguma razão de ser. De facto, as empresas que mais se têm notabilizado na implementação de ideias disruptivas na gestão de pessoas são as empresas de TI. Não que sejam as únicas, mas são sem dúvida as mais visíveis e mediáticas e em alguns aspectos com abordagens mais arrojadas. Existe uma explicação para isso, que reside sobretudo na velocidade do sector, na concorrência feroz e na escassez de competências estratégicas no mercado de trabalho. Mas o principal motivo é que estas empresas têm a noção de que só através de pessoas é possível acrescentar valor. E este princípio não é exclusivo das tecnológicas.

Contudo, a crença de que só nas tecnológicas é que funciona está longe de ser comprovado pelos factos. Sabe quem é a melhor empresa para trabalhar em Portugal (de acordo com o último ranking Melhores Empresas Para Trabalhar)? Chama-se Hilti, e apresenta-se como a lídermundialno desenvolvimento e produção de ferramentas, serviços e tecnologias inovadoras para os profissionais da construção civil.

As empresas tecnológicas aparecem em franca minoria nos três rankings disponíveis no site Great Place to Work – empresas com menos de 100 colaboradores , empresas de 100 a 250 colaboradores e empresas com mais de 250 colaboradores. Em 2016 de todas as empresas listadas nos primeiros 25 lugares, apenas 6 eram tecnológicas.

Já no ranking das Melhores Empresas para Trabalhar, 35 das 100 empresas listadas são tecnológicas. A melhor classificada é a Edge Innovation em 4º lugar; e nos primeiros 10 há apenas 2 tecnológicas.

Diz a expressão popular que “contra factos não há argumentos”. Neste caso, talvez se possa dizer que “contra factos, só mesmo as crenças”.

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  1. João Silva says:

    Um texto que abre portas para muitos ângulos de análise.
    Da minha experiência e sensibilidade, a boa gestão de pessoas visa a felicidade destas. O resto só pode ser consequência positiva.
    Não é fácil, é mexer numa realidade que não é estática nem uniforme (cada individuo é único na sua natureza e circunstâncias), é preciso ter coragem para fazer o bem e assumir o “mal” (remover as ervas daninhas, podar os arbustos que precisam de ajuda…) mas tem que ser isto, sem isto não há sucesso.
    Por isto me pedir mais partilha e escrita do que as que agora consigo dar, deixo só a história abaixo (sobre “resistências-porque-sim”) e este destaque: “Além disso, não é preciso ter prémios e recompensas chorudas para se implementar boas práticas de gestão de pessoas. Aliás, muitas das iniciativas requerem mais criatividade e imaginação do que propriamente dinheiro.“ – 100% verdade!

    A história:

    Round 1:
    Temos que resolver isto, as pessoas têm que mudar;
    Então vamos lá, vamos mudar isso, vamos fazer isto e aquilo.
    Ok, só que agora não tenho muito tempo…
    Quando, então?

    Puf, assunto morto…

    Round 2:
    Bom, vamos então começar por si? A mudança xpto também tem que ser feita aqui no seu sector…
    Não, não… O meu trabalho é muito específico.
    Como assim? explique as especificidades, pf.
    Não dá, é mesmo muito específico, você não ia entender, eu ia ter que demorar muito a explicar-lhe, não temos tempo… Além disso os problemas estão identificados, têm a ver com o fulano tal e o outro que tal…
    Hum, ok, mas… então vamos ver isso com eles?…
    Pois, eu até queria, mas não dá, não tenho tempo… Mas isto está muito mal, tem que se mudar alguma coisa, não podemos continuar assim!…

    E por aí fora…

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